por Alexandre Moreira
em 02 de Julho de 2016
Fonte de inspiração para o famoso musical da Broadway – atualmente em cartaz em São Paulo – Wicked foi escrito por Gregory Maguire e publicado originalmente em 1995. Em uma primeira publicação brasileira sob o título de “Maligna” a obra ganhou este ano uma nova edição pela editora Leya.
Muitos esperam encontrar a história do musical nas 496 lindas páginas, porém não é bem assim. Enquanto o musical (lindo e muito bem adaptado) aborda a história das bruxas de Oz em uma perspetiva humorística resumida e muito visual o livro aprofunda a construção dos personagens, o passado de Oz e a política entre os reinos, criaturas e líderes do mundo mágico.
No livro somos apresentados à uma outra Oz, de outro tempo e que transforma-se profundamente até a chegada de Dororty na parte final da história. Podemos acompanhar o crescimento de Elfaba desde seu nascimento até suas primeiras palavras (uma gracinha!). E nesse sentido é notável as divergências entre as personalidades desenvolvidas para o musical.
Elfaba tem um passado muito mais conturbado e incerto do que sabíamos até então e seu crescimento cuidando da irmã Nessarose (que no livro não possuí os braços) foi muito mais importante para o desencadeamento dos fatos futuros. Enquanto descobrimos muito mais sobre todos os personagens citados em o Mágico de Oz, Wicked apresenta ainda outras figuras que não aparecem nem no musical nem na obra original: Babá (Nanny), o pai de Elfaba e Nessa, bem como a ama de Glinda são bons exemplos. O papel destes personagens embora alterem pouco os fatos conhecidos, são importantes para representar conflitos e alegorizar a narrativa.
Em Shiz as coisas também ocorrem de modo bem diferente dos palcos. Elfaba, por exemplo, se recusa a estudar magia durante a universidade, optando pelas ciências naturais devido seu trabalho com o Dr. Dillamond que também tem uma participação bem diferente da peça. O Bode pesquisador investiga a relação entre Animais e animais, ou seja, os animais com consciência e habilidades “humanas” como a fala, o uso de roupas, etc. e os animais domésticos que conhecemos normalmente. O fundamento da sua pesquisa era descobrir se é possível um Animal torna-se animal considerando fatores ambientais e sociais a que for submetido.
O caráter político do livro não acaba por aí. A narrativa apresenta-se de forma muito mais adulta ao explorar a sexualidade e os romances de Elfaba, Glinda e Fyero. Além disso, temos explicações mais detalhadas sobre a origem dos famosos sapatos de Doroty. Na história, Glinda os enfeitiça para que Nessa consiga se equilibrar e andar sozinha. O presente foi dado originalmente pelo pai de Elfaba e Nessa ainda durante a vida delas em Shiz.
A origem das bruxas e do Mágico de Oz também é tratada de forma diferente no livro. Em uma reunião a diretora de Shiz convida as três meninas (Nessa, Elfaba e Glinda) a conhecerem o Mágico e aceitarem uma proposta para o futuro, no ato da conversa um feitiço foi lançado para que nenhuma delas fosse capaz de compartilhar o que haviam escutado.
Elfaba parece ser a única a quem tal conversa não fugiu da memória mesmo depois de tantos anos e conforme tornou-se adulta questionava-se sobre o seu livre arbítrio e liberdade de escolha. Ela enfrenta ainda muitos dilemas sobre o bem e o mal, a fé, o destino e a maternidade. Ao abandonar Shiz, a irmã e a amiga para viver na Cidade das Esmeraldas na clandestinidade, Elfaba acreditava estar fazendo o bem defendendo o direito dos Animais dentro de uma milícia. Com o passar do tempo acabou desenvolvendo suas habilidades de feiticeira muito mais por necessidade de sobrevivência e luta do que opção, e todas essas transformações lhe causavam forte insegurança sobre quem era ou a que lugar pertencia.
Não nego que em um primeiro momento estranhei muito essa nova versão das personagens. Apaixonado pelo musical como fiquei, tive muito receio se avançaria na leitura até o fim do livro mas este provou seu próprio valor ao construir uma história outra, muito mais complexa e rica do que a do palco. Veja, não estou diminuindo o valor da peça, e sim valorizando também, a versão do livro.
Trata-se de uma leitura encantadora e envolvente, no trabalho gráfico da Editora Leya temos ilustrações no começo de cada capítulo que favorecem ainda mais nossa imaginação ao criarmos imagens mentais dos lugares e criaturas descritas. Conhecer Oz antes do nascimento de Elfaba mas principalmente acompanhar sua vida quase como em uma narrativa de documentário permite ao leitor uma experiência única. Ao mesmo tempo temáticas como o amor livre, a homossexualidade e o poli-amor aparecem, de forma sutil e natural em meio a narrativa, o que – considerando o ano original de publicação – é revolucionário e admirável. O autor e seu marido foram um dos primeiros casais homoafetivos a legalizarem a união em Massachusetts – EUA.