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Bunker: Diário da Agonia [Resenha]

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Por Pedro Henrique

02 de Julho de 2016

Bunker: Diário da Agonia não é um livro fácil. Na verdade, diria que é um livro quase sofrível, doloroso, perturbador. Ok, talvez você se pergunte “então, por que eu deveria ler esse livro”? Bom, a resposta é que Bunker: Diário da Agonia é, como eu poderia dizer, uma obra-prima das tramas psicológicas, é visceral, envolvente, absurdo e, ao mesmo tempo, realista, é quase como se fosse um retrato de nossa natureza. E por isso tudo é que digo que este é um daqueles livros que merecem ser lidos por todos sem exceção.

Mas não espere uma história com final feliz. Sim, esse é um spoiler gritante do livro, mas necessário aos desavisados que esperam encontrar um final feliz para uma história triste demais.

Bunker: Diário da Agonia é um livro escrito por Kevin Brooks e lançado aqui no Brasil pela editora V&R em 2015. O livro é um sucesso no mundo todo e ganhou, em 2014, a Carnegie Medal, a mais alta honraria literária de seu país natal, Reino Unido. Não a toa, Bunker passou a ser visto como um parâmetro da literatura contemporânea, recebendo elogios, inclusive, de autores de grandes obras atuais como John Boyne, autor de O Menino do Pijama Listrado.

Mas enfim, vamos ao livro.

Quando comecei a leitura de Bunker: Diário da Agonia, me senti lendo uma versão escrita de Jogos Mortais só que sem todas aquelas armadilhas sanguinárias e assassinatos sangrentos. Porém, seria simplista demais dizer que as duas obras se parecem em absoluto. Elas até carregam algumas similaridades, mas ao mesmo tempo, afastam-se uma da outra no desenvolver de suas narrativas. Em Jogos Mortais, você tem aquela coisa basicamente gore, ainda que com uma pitada de filosofia niilista e tal. Em Bunker, você tem o ser humano como cobaia de sua própria experiência, tendo os limites de sua existência e lucidez testados dentro de um confinamento que, aparentemente, não tem fim.

O livro de Kevin Brooks é protagonizado por Linus, um jovem com 16 anos que vive nas ruas de Londres há pouco mais de cinco meses. Durante a manhã de um certo domingo, ele está numa estação de trem quando avista, ao longe, um senhor aparentemente cego e com um dos braços engessado tentando colocar numa van, sua mala. Muito hesitante, Linus decide ajudá-lo quando então, já muito tarde para fugir, se vê raptado por aquele senhor que, na verdade, enxergava muito bem. Ao acordar, Linus percebe que fora confinado no que parece ser “uma construção retangular de teto baixo, toda de concreto e pintada com cal”, nas palavras do próprio garoto.

Toda a história é vista a partir do ponto de vista do Linus e é sob o ponto de vista dele que sentimos todas as dores, angústia e desespero vividos por ele e os demais companheiros de confinamento. Linus foi o primeiro de seis indivíduos que foram misteriosamente raptados por um homem capaz de se disfarçar das mais variadas formas, desde um senhor cego e decrépito a um policial fardado e amigável.

Junto a Linus temos outros cinco personagens que o acompanham ao longo de semanas dentro do que se parece com um abrigo nuclear recondicionado, como se descobre depois. Temos Jenny, uma menina de 9 anos e Fred, um viciado em heroína. Anja, uma corretora de imóveis e Bird, um executivo já muito levado pela rotina de seu trabalho. E, por fim,  temos Russel, um físico já nos seus 70 anos de idade.

Mas, e o vilão? Quem é ele e o que ele quer? Essas são as perguntas que irão acompanhar a leitura do livro até o fim. Mas não espere uma resposta, pelo menos não uma resposta satisfatória. Bunker: Diário da Agonia é quase “machadiano” de tão suspenso no ar que é seu final.

Durante o confinamento no bunker, Linus e os outros descobrem que parecem estar numa espécie de reality show às avessas. O bunker é composto por dez cômodos, além dos dois únicos corredores do lugar e um elevador de serviço que parece ser a única rota de entrada e saída do lugar. Linus desconfia de que esteja numa construção no subsolo e isso é sentido tanto pela ausência de janelas como pelo ar pesado e úmido que toma conta do abrigo. Seis quartos se espalham ao longo do corredor principal, acompanhados de um banheiro, uma cozinha e o que parece ser uma sala de jantar. Não há livros, não há TVs, nem rádios, celulares, ou qualquer outro meio de comunicação. Também não há comida, roupas ou nada do tipo. Nos quartos, uma cama, um criado mudo, bíblias, um caderno e canetas. Linus começa sua história sozinho até que, pouco a pouco, os demais vão se somando ao confinamento.

O que você faria se fosse mantido preso num lugar sem a possibilidade de fugir? E o que você faria se descobrisse que, em cada tentativa de fuga, os outros confinados com você fossem punidos severamente por isso? Enquanto Linus e os outros cinco estão presos no bunker, alguém lá em cima parece acompanhá-los dia após dia, provocando-os, testando sua vontade de viver, seus limites, torturando-os inescrupulosamente. Esse “Alguém lá em cima” parece existir quase como uma entidade, um cientista louco, uma criança mimada brincando de queimar formigas com uma lupa. E é tão interessante observar que, mesmo encoberto pelo medo, Linus parece vê-lo quase que de forma sobrenatural, referindo-se a Ele sempre por iniciais maiúsculas, tal qual costumamos fazer quando nos referimos ao deus cristão (ou qualquer outro deus que se reverencie).

Mas esse é um deus às avessas e Linus sabe muito bem disso. Enquanto Linus e os outros tentam fugir, esse falso deus estabelece as piores punições que se possa pensar, seja através da restrição total de alimentos, seja nivelando a temperatura do lugar aos limites máximos que um ser humano pode suportar, ou mesmo soltando um cão raivoso no lugar para matá-los.

No entanto, o que é mais sofrido em toda essa história é que você quase se sente conversando com Linus cara-a-cara e isso tem muito a ver com o subtítulo do livro e com a forma como ele é escrito02. Não é a toa que o livro se chama Bunker: Diário da Agonia. Linus pega um dos cadernos nos quartos e passa a fazer dele, seu diário de sobrevivência e é através desse diário que ele passa a conversar consigo mesmo, com “O Homem lá em cima” e, claro, com você, o leitor. Na via contrária, por vezes o leitor acaba se misturando tanto à história que ele é levado a pensar que, na verdade, é parte dela também e, por isso, deve fazer algo para mudá-la. Mas não pode e Linus deixa isso bem claro para nós em muitas passagens.

E aí, o sofrimento do personagem se junta ao sofrimento do leitor e você se vê chorando um tanto indiscretamente demais no meio da praça de alimentação de um shopping cheio numa tarde de terça-feira. E o mais interessante é que, mesmo depois de ter lido o livro, a história fica grudada na sua cabeça quase como um carrapato que não quer se soltar de sua pele. É perturbador, psicológico, íntimo e visceral, uma história com um final tão dramático e tão intenso que você quase se vê sem fôlego para fazer mais nada.

Seja bem vindo ao Bunker.

Bunker nota

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