por Lucas Mendes
Eoin Colfer, meu caro, eu sinto muito.
Artemis Fowl já foi uma série de livros adorada – e ainda o é. Contando com uma trama que combina filmes de assalto com magia, além de um protagonista moralmente duvidoso, existe charme e talento no material-base para criar algo que seja divertido e ao mesmo tempo, seja diferente o bastante das adaptações de obras de fantasia infanto-juvenil. Uma produção para o cinema sempre pareceu um bom destino, mas infelizmente, o resultado é aterrador de um jeito hilário.
É fascinante ver como esta produção erra em duas frontes: como adaptação e como uma obra independente. Não apenas ela consegue descaracterizar todos os personagens do material, sendo as únicas exceções a Comandante Root (Judi Dench) e o anão gigante Mulch (Josh Gad, bizarro do jeito certo), mas mistura elementos dos outros livros numa tentativa desesperada de aumentar o seu escopo e criar uma nova franquia.

A trama, se é que podemos chamá-la assim, é básica: o colecionador de artefatos antigos Artemis Fowl I (Colin Farell) é sequestrado por uma figura escusa, e exposto como um ladrão de alto calibre para a mídia internacional. Para salvá-lo, seu filho, um pequeno gênio, cria um plano para manipular os mundos mágico e humano para poder colocar nas mãos um artefato destrutivo com poder ilimitado e, com isso, resgatar o pai. Mas as fadas a quem o artefato pertence não cederão facilmente, e a casa onde o menino mora será o campo de batalha onde o futuro do mundo será decidido.
Existe charme em uma premissa como “Esqueceram de Mim em um cenário de fantasia”, mas tudo é desperdiçado pela ausência total de caracterização, ou melhor, deturpação do material original. As mais graves são sem dúvidas a de Artemis Fowl (Ferdia Shaw, que tenta mas não sabe mais de duas expressões faciais) e sua família. O fato dele efetivamente ser o vilão da história e sua família um cartel de mafiosos é descartado por uma trama genérica de “fazemos isso para proteger o mundo e etc.” Poderíamos entrar na questão de como o filme trata os personagens negros, em clichês datados que beiram o ofensivo, mas a questão do whitewashing com a personagem Holly Short (Lara McDonnell) já é enfuriante o bastante.

Genérico também são todos os aspectos envolvendo o mundo mágico do filme, e aqui entramos na segunda falha: como uma obra audiovisual independente. Haven City, a cidade das fadas, é bem feita e razoavelmente bem filmada, mas é tão homogênea que poderia ser Hala, capital do Império Kree em Capitã Marvel. Nada na tecnologia agressivamente moderna das criaturas mágicas lembra mesmo magia, o que faz sua presença não ser nada marcante, e o jeito como o roteiro resolve o conflito entre elas e Artemis é, no mínimo, pífio.
Para completar, a vilã nas sombras parece saída de um desenho animado dos anos 90, e a narração constante leva a pensar que a Disney achou que o público do filme seria apenas de crianças de 4 anos de idade. A falta de cuidado transparece mais ainda na edição, cujos cortes aparentes dão a sensação de que uma grande parcela do filme foi descartada, para que ele se tornasse um produto ainda mais rápido de consumir. As cenas de ação são caóticas, confusas, e se misturam a um humor que praticamente nunca funciona.
A pior parte é que havia um potencial enorme de fazer algo único aqui, com material base o suficiente e um protagonista complexo e cativante. Em vez disso, o que temos é uma colcha de retalhos vazia, chocha, que não causa empolgação e muito menos raiva, apenas uma constante mistura de tédio e indignação. Resta torcer para que um dia, alguém dê ao Menino Prodígio do Crime a atenção e o cuidado que ele merece.
Artemis Fowl — EUA, 2020
Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Conor McPherson, Hamish McColl (baseado na obra de Eoin Colfer)
Elenco: Michael Rouse, Racheal Ofori, Josh Gad, Ferdia Shaw, Simone Kirby, Joe
O’Grady, Finian Duff Lennon, Grace Fincham, Toby Eden, Gerard Horan, Colin
Farrell, Nonso Anozie, Emily Brockmann, Jessica Rhodes, Charlie Cameron, Lara
McDonnell, Eleanor de Rohan, Emma Lau, Conor MacNeill, Adrian Scarborough,
Chi-Lin Nim, Judi Dench
Duração: 95 min.