“Portanto, assim diz o SENHOR: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar, e clamarão a mim; e eu não os ouvirei.” – (Jeremias 11:11)
Depois do sucesso “Corra” (Get out) que lhe rendeu o Oscar de melhor roteiro original, o diretor Jordan Peele volta às telonas com seu mais novo filme “Nós” (Us). Na mesma linha de terror-dramático e psicológico, ao que no início não passa de uma composição aleatória de cenas desconexas, aos poucos somos imersos em uma narrativa aterrorizante e carregadas de críticas sociais.
Novamente saindo do lugar-comum em filmes de terror, Peele não hesita em fazer uso de cenas longas e um ritmo mais demorado do filme. O que é quase imperceptível já que mal queremos piscar enquanto estamos sentados.
Na trama, temos uma família liderada por Adelaide (Lupita Nyong’o de 12 anos de escravidão) que decide passar o fim de semana na praia de Santa Cruz (EUA). Na mesma praia, anos atrás, Adelaide passou por um trauma que a deixou sem falar durante anos. Ao chegarem na casa de veraneio, coincidências estranhas passam a acontecer com os quatro membros da família e não demora até que o terror comece de fato: uma outra família está decidida atacar a casa e matar todos.
Poderia ser só mais uma história de terror e mortes sangrentas como Pânico ou mesmo Jogos Mortais, mas é aí que o espectador se surpreende: a tal família invasora são, senão outros: eles próprios. Neste ponto é que o nó psicológico começa e no combate pela sobrevivência, cada qual deve enfrentar sua “sombra” maligna: os filhos, o pai e a mãe. Cada um frente a frente com uma versão macabra e assustadora de si mesmo, como se estivessem imersos no mundo invertido. E é nesse jogo de se ver e se perder em si que Peele mais uma vez conquista seu público.
O filme nos leva a refletir sobre o estilo de vida que levamos e nos aproxima (ou separa) daquilo que a princípio nos afastaria das “cópias do mal” – nossa capacidade de compreender o outro. Em um jogo teatral e cinematográfico a confusão sobre quem é quem nas diversas cenas de morte não são aleatórias.
Embasados por uma trilha sonora FENOMENAL, é impossível não ficar vidrado nas cenas poéticas e profundas. A atuação de todo o elenco, centralizada particularmente no olhar é tirar o fôlego, principalmente no que tange ao elenco infantil. É em um ritmo perturbador, mas com o característico humor do diretor que a trama se costura diante dos nossos olhos para explicar (quase) tudo que fomos instigados a pensar ao longo do filme.
Ao que “Get out” foi didático e direto em explicar tudo por trás do thriller, “Us” faz questão de manter algumas lacunas, característico daqueles filmes ditos de Arte (com A maiúsculo) sem, em momento algum, deixar de dialogar com o público de forma acessível.