Desde bem cedo, sempre nutri certa atração por histórias com teor mais mórbido, por assim dizer. A morte e outros temas relacionados sempre são vistos de forma muito reservada pela sociedade. A verdade é que há um tabu bem grande quando o assunto é a morte. É mais fácil as pessoas falarem sobre sexo, drogas e rock n’ roll do que falar sobre ela. O que é bem irônico, já que ela é uma das poucas verdades absolutas que encontraremos durante toda a vida. As pessoas morrem, independentemente de você aceitar isso ou não. Você vai morrer, um dia, sabe-se lá como, mas vai.
É nesse espírito que trago para vocês uma resenha de um livro que me fascinou bastante. Já escrevi sobre outros livros com teor similar, como o fabuloso Alguém Lá em Cima te Odeia, da Hollis Seamon, mas nenhum como o Confissões do Crematório. Então, espero que gostem.
Vamos ao que interessa. Confissões do Crematório é um livro escrito por Caitlin Dought e lançado aqui no Brasil pela DarkSide Books no ano passado. A história – que tem umas 240 páginas – é, como o nome sugere, uma coletânea de relatos das experiências da autora enquanto agente funerária nos Estados Unidos. É, basicamente, um diário, mas não um diário qualquer, é um que conta as desventuras de Caitlin Doughty como cremadora de cadáveres.
Sim, Confissões do Crematório é um livro autobiográfico, mas cuja narrativa não se preocupa tanto em falar da própria Caitlin e sua vida, mas sim, sobre os bastidores da “indústria da morte”. É quase como um WikiLeaks da indústria funerária. Não à toa, Caitlin sofreu alguns pequenos contratempos ao longo da produção do livro.
Explica-se. Antes de o livro existir, Caitlin Doughty tinha (e ainda tem) um canal no You Tube – Ask a Mortician – voltado especificamente para falar sobre as experiências dela na indústria funerária. Foi a partir desse canal e das experiências dela que surgiu a ideia de criar o livro. Contudo, com o crescimento do canal na internet e outros materiais que ela foi produzindo e divulgando, algumas figuras importantes da indústria da morte começaram a rechaçá-la, afinal, “o que ocorre nos bastidores fica nos bastidores”. Mas não é bem assim, né, pessoal? A morte é uma coisa importante e devemos mesmo saber o que acontece durante ela.
Mas, voltando ao livro, Confissões do Crematório usa vários relatos profissionais (e pessoais) da autora para levar o leitor a uma reflexão sobre a vida, a morte, os rituais que costumamos praticar quando nossos entes queridos se vão e mais um monte de coisas que não caberia aqui. Porém, o mais interessante é que esses relatos são de uma natureza bem ”argilosa”, se me permite o neologismo. Caitlin não faz a linha sentimental e polida, pelo contrário, ela explora bem todo o contexto em torno da morte como um evento social, pois é isso que ela é. À leitura do livro se mescla um sentimento de que estamos sendo, pouco a pouco, desmanchados e remontados de novo, meio como se fôssemos um monte de argila para então, chegamos ao esclarecimento final sobre a morte como algo natural.
Para além do simples fato de que as pessoas morrem, há também a questão de como elas morrem, o que acontece com seus corpos, o que acontece com suas famílias, como é produzido um enterro, por que enterramos os mortos ou por que os cremamos? São tantas questões que vêm à tona que é só então que você se dá conta de que, em todos os anos de sua vida, talvez você tenha falado mais sobre o cocô do cachorro de sua vizinha do que sobre o fato de que, um dia, você irá morrer.
Confissões do Crematório é um livro que, por um lado, choca um bocado – especialmente se você não está preparado para alguns detalhes bem grotescos – mas por outro, nos dá um choque de realidade tão grande que é quase impossível terminar sua leitura do mesmo jeito que estávamos no início. O mais interessante é que, apesar do tema mórbido, você não o termina com um sentimento de que está tudo perdido, pelo contrário, parece que você se torna mais consciente das coisas ao seu redor, de sua vida e existência, da importância dos pequenos eventos que acontecem no dia-a-dia de cada um de nós. A morte é uma realidade, escondê-la e negá-la não muda o fato de que, no fim, nós sucumbiremos à força irremediável do sono eterno.
Ainda, tenho que destacar que a DarkSide Books fez um trabalho primoroso no layout do livro. Além do fato dele ser em capa-dura, a capa conta com detalhes em relevo e uma produção muito bonita e bem condizente com o conteúdo da história. O livro ainda conta com uma fitinha para marcação de páginas – coisa que eu acho que todo livro deveria ter! – e vem com uma espécie de carta de Tarot cujo arcano é quem? Adivinhem! A própria morte! Adoro! Enfim, é um livro muito bonito, muito bem feito e muito bem escrito, vale muito a pena.
Até a próxima!
Revisado por Adrien.